terça-feira, 9 de setembro de 2008

"Gosta de teatro?"


Todos os dias sou assediada na rua por pessoas pedindo doações para ONGs ambientais, querendo vender poesias ou ingressos para teatro, exigindo minha atenção para apresentar projetos sociais e cobrando “uma colaboração, uma ajuda, uma quantia simbólica.”

O problema é a abordagem extremamente invasiva e até hostil que algumas dessas pessoas usam para chamar a atenção dos transeuntes e fazer com que eles se sintam culpados e mesquinhos caso resolvam não “contribuir”.

“Você gosta de teatro?”. O desavisado responde ingenuamente que sim, que gosta de teatro. É o suficiente para que o homem que fez a pergunta tome 15 minutos do tempo do transeunte para descrever todas as inúmeras vantagens da assinatura de um plano mensal que dá direito ao ingresso de todas as peças de teatro do mundo. Não adianta alegar falta de dinheiro ou falta de tempo de ir ao teatro. Não se esqueça de que ele já tinha dito que gostava de teatro, tsc tsc tsc.

Não há meio de sair com dignidade dessa situação. Ou o sujeito compra o plano que está sendo oferecido e sai com cara de idiota porque sabe que não vai conseguir fazer ele valer a pena a não ser que largue o emprego para ver uma média de três peças por dia, ou o sujeito recusa a oferta e o Você-gosta-de-teatro? faz ele se sentir um lixo aculturado egoísta.

Tem um rapaz que está freqüentemente no meu caminho quando volto do trabalho, às vezes com o rosto pintado de palhaço, que apresenta uns guias culturais que ele propõe “dar” para as pessoas em troca da famigerada “contribuição”, não sem antes explicar todos os motivos pelos quais se deve ter dó dele. Ele sempre me aborda com “Olá, menina linda!” e, quando digo que não posso contribuir, resmunga impropérios em voz baixa.

Ah, e tem também o “Você gosta de poesia?”. Quando me mudei para São Paulo, um deles me deu uma folha sulfite com um poema impresso. Eu agradeci a gentileza e continuei andando com o papel na mão – juro que não entendi que ele também estava atrás de uma contribuição. Quando ele me chamou de volta e me informou sobre suas intenções, devolvi o papel e me desculpei por não ter nenhum trocado.

A gente ainda tem que se desculpar e se justificar por não ter dinheiro sobrando. Se essas pessoas precisam ganhar dinheiro, por que não vendem alguma coisa de que as pessoas realmente precisam? Por que não montam uma banca de café-da-manhã? As que eu encontro no meu caminho sempre estão lotadas sem que o responsável por ela precise apelar para a piedade das pessoas que passam na rua.

Esses apeladores já têm mentalidade capitalista quando pedem dinheiro em troca de qualquer coisa que ofereçam. Então por que não levar a lógica do capitalismo até o fim e oferecer um produto para o qual haja demanda?

É claro que isso não se aplica às ONGs e projetos sociais. Esses são chatos pela insistência e por questionar sua falta de dinheiro como se fosse um crime quando você não colabora.

sábado, 6 de setembro de 2008

Aula de francês


Na minha segunda aula de francês do semestre, cheguei superatrasada. Já tinham grupos formados que deveriam discutir alguns temas propostos pela professora. Sentei com o grupo que tinha ficado com o tema “a televisão deixa as pessoas burras”, ou algo assim. Como todos pareciam concordar com a afirmação, eu me propus a defender a televisão. Achei que assim estaria cumprindo meu papel de única estudante de jornalismo do grupo.

Não estava conseguindo raciocinar direito depois de passar os últimos 40 minutos dentro de um ônibus lotado que peguei depois de oito horas de trabalho na assessoria de imprensa de uma universidade cujo reitor tinha acabado de renunciar no dia anterior por causa de denúncias de gastos ilícitos no cartão corporativo.

Mas, vamos lá, vamos defender o potencial sócio-educativo da televisão, vamos defender que pode existir um jornalismo de qualidade na televisão brasileira, vamos provar que a televisão, apesar dos seus defeitos, pode ser um instrumento que unifica a nação e que isso é uma coisa boa.

E quando tudo o que eu falava era recebido com ceticismo pelo grupo, o estudante do primeiro ano de história começa a descrever a única televisão que presta no mundo, que é a da Suíça, onde a “população escolhe a programação a que quer assistir”. Muito democrático. E o melhor de tudo é que tem tudo a ver com a realidade brasileira. Vamos sugerir para o Sílvio Santos.

Então eu me pego defendendo que a televisão é uma fonte de entretenimento válida para muita gente. As novelas, por exemplo: não é porque somos universitários esnobes e inteligentes demais para acompanhar a novela que vamos negar que ela traz à tona assuntos de importância social sobre os quais algumas pessoas não parariam para refletir de outra forma.

Eu, que nem vejo TV direito, comecei a me exaltar em sua defesa enquanto o resto do grupo insistia em ignorar sua relevância para o povão. E o estudante de psicologia assistia a tudo em silêncio com uma expressão de triunfo esquisita no rosto, como quem nomeia mentalmente os complexos dos outros. Da próxima vez, faço grupo com os meninos da Poli.

O tema jornalismo, pelo jeito, vai ser recorrente durante o semestre do francês e em todos esses mini-debates vão esperar que eu tenha alguma coisa a mais para falar só porque faço jornalismo.
Por fim, quando a aula estava um saco e todas as minhas articulações doíam mais do que o normal (porque tinha feito aula de body combat no dia anterior), um morcego entrou e saiu da sala de aula duas vezes e aquilo foi a única coisa engraçada que aconteceu naquelas duas horas e meia.