sexta-feira, 2 de maio de 2008

"Dia mágico"


Essa expressão, cunhada por um amigo logo no primeiro ano de faculdade, aplica-se aos dias que começam muito bem, quando você está rodeado por seus melhores amigos conversando e rindo, e, de repente, depois de algum descuido qualquer, você se vê sentado no ponto de ônibus sozinho numa noite fria, escura e chuvosa. Pensamos até em escrever uma tese de mestrado sobre o tema, já que o “dia mágico” parecia ser um acontecimento recorrente na ECA. O título seria algo como “O dia mágico e a pós-modernidade”, ou “O dia mágico e a transubjetividade da comunicação”. Acabamos não levando o projeto adiante, mas os dias mágicos continuam se repetindo em nossas vidas.

O último de que me lembro aconteceu quando fui com alguns amigos conhecer Daytona Beach. Foi num dos meus últimos dias na Flórida. Fazia sol, era um dia de praia perfeito. Num dos carros fomos eu, a Roberta (minha amiga brasileira) e dois amigos russos que conhecemos no hotel, o Anton e o Valério. Anton era o mais engraçado e, talvez, o mais normal dos russos. Valério era o mais... hm... peculiar: excessivamente grande e branco, muito parecido com o que eu imagino ser um Neanderthal. Toda vez que se apresentava, enfatizava a última vogal de seu nome: ValériÔ (em russo, o “o” átono é pronunciado como “a”, portanto, a verdadeira pronúncia de seu nome é ValériA, mas ele deve ter sido bastante hostilizado nas primeiras vezes que se apresentou desse jeito nos EUA, principalmente por seus colegas da construção civil).

Além de nós, tinha mais um carro de russos, portanto os falantes de português estavam em grande desvantagem na hora de tomar decisões. Em certa altura, paramos no que descobri ser um supermercado e, quando a Roberta me perguntou o que estávamos fazendo lá, respondi com toda a certeza: “eles pararam para comprar bebidas”. Quando eles saíram segurando uma bola de vôlei, foi então que percebi o quanto não estávamos entendendo nada do que eles estavam falando.

Chegamos em Daytona à tarde e, depois da compra da bola de vôlei, fomos direto à praia. O quanto não me surpreendi quando entramos de carro dentro da praia! Os carros simplesmente circulavam livremente pela areia e estacionavam por lá mesmo. Enquanto a praia de Miami era tão imaculada e indiferente à atmosfera urbana e cosmopolita em volta, Daytona Beach era excessivamente contaminada pela “civilização” daquele lugar. Entendi, então, por que diabos os carros que circulavam na cidade tinham rodas tão grandes: para agüentarem rodar sobre as areias fofas da praia.

Nos poucos trechos da praia em que os carros eram proibidos, podia-se ver uma paisagem bem bonita e amena, mas essa atmosfera era logo interrompida por alguma música alta ou alguém berrando num microfone. Não era uma época nada amena: estávamos em pleno spring break. Apesar dos carros e do barulho e do fato de que nossos amigos-motoristas começavam a ficar bêbados, até que nos divertimos bastante na praia.

À noite, combinamos de encontrar o Diego (ou Big D, meu amigo de dois metros), que vinha depois junto com o Fernando. Por algum motivo não muito claro, resolvemos ir ao cinema para passar o tempo até que ele chegasse, pois ele saberia dizer onde aconteceriam as festas. O filme: 10.000 bC, a pior coisa que já vi em muitos e muitos anos.

Finalmente o Diego chegou e estávamos no processo de escolher a balada quando o Fernando foi ameaçado de ser preso por não ter dado licença para uma moto passar, ou algo assim. Diego e Fernando banidos daquela calçada pelo resto da noite, estávamos novamente eu, a Roberta e os russos. A balada foi horrível: música ruim, ambiente péssimo, pessoas estranhas e um touro mecânico bem no meio de tudo isso. Dei graças a Deus quando resolveram ir embora. Reencontramos o Diego, que tinha ficado perambulando sozinho pela praia depois que se perdeu do Fernando, e fomos buscar o carro no estacionamento de um Burguer King.

É claro que o carro não estava mais lá. Então quer dizer que aquela placa de “tow-away zone” de fato merecia alguma atenção? Foi quando aprendi o significado do verbo tow – “your car was towed, sir” – disse a funcionária que estava varrendo o Burguer King. De repente, estávamos eu, Roberta e Diego sentados no chão do estacionamento vazio, esperando virem buscar-nos depois de pegarem o carro não-sei-onde pagando uma multa de 150 dólares. Um carro de polícia apareceu e o policial disse que teria que nos prender se continuássemos sentados ali. Expliquei a situação e ele nos mandou sentar num banco a uns 10 metros, onde fui picada por uma formiga.

No caminho de volta dormi um pouco, mas aquele maldito som me atormentava o sono. Eles escutavam uma música popular russa que, juro por Deus, tem a mesma melodia da Suíte dos Pescadores, do Dorival Caymmi. Mas, ao contrário do arranjo de Damiano Cozzela, em russo, ela soava muito brega e tinha uma letra melosa e romântica. Anton contou uma vez que os meninos bêbados costumam sair andando abraçados pelas ruas, chorando e cantando essas músicas na madrugada russa. Às vezes, eles fazem a mesma coisa com o hino nacional.

Chegamos ao hotel por volta das 5 da manhã. É claro que, já em Orlando, achamos que fôssemos todos morrer quando o Valéria quase entrou com o seu velho carro a toda velocidade na lateral do veículo de algum cidadão americano inocente que estava mais sóbrio e mais acordado do que ele. Nessas alturas, ninguém mais ousava contrariar o motorista, que já estava gritando com todo mundo só porque tinha acabado de jogar 150 dólares no lixo e passara as últimas duas horas dirigindo enquanto todos os outros dormiam. Estávamos todos com cara de bunda quando finalmente entramos em nossos quartos para dormir depois desse dia mágico ao extremo.

4 comentários:

idéias da Cris disse...

oi Mariana, adorei o seu jeito de escrever, vc até parece ser jornalista, sei que vc estuda em São Paulo, se não estiver enganada, a Carol - Cambará- comentou, (sou a tia dela) já sabia de sua experiência no Mc Donalds, parabéns pela coragem, audácia, esta experiência de vida, ninguém nunca vai tirar de vc, vá em frente garota bjs cris

Unknown disse...

E mais uma vez o Big D salvou o dia.....brincadeira. Parabéns pelo blog Mari

Rita disse...

Q fase, hein...
Fiquei com dó do Valeria.

Bruno

Unknown disse...

hahahahaha...Mareee só com vc pra acontecer essas coisas :/
Bjoooooooo